25 novembro 2008

Chuva

A noite já está cerrada, não se avista um pingo de luz, um pingo de luz natural, amarela!

O dia raiou madrugador, repetiu-se mais um acordar entorpecido, os sentidos estavam mais uma vez dispersamente errantes na luz demasiado clara para deixar vislumbrar a tranquila paleta de cores que transparece o vidro da janela sem véu. Acordada para a vida, a responsabilidade chama, a meteorologia pura e caseira intrínseca ao olhar luzidio, faz balançar em entre dois agasalhos, entre duas cores, dois materiais, dois portos de abrigo.

Começa a descoberta, o trilho começa a ser, mais uma vez, desbravado, a chuva já cessou e sol aguça o atrevimento de rasgar as nuvens cinzentas e amargas que ameaçam fragmentar a luz calorosa. Do perú escapam aqueles que são presença constante de todas as viagens, colados ao corpo humano completam um dos sentidos mais preciosos, extraordinária a forma como extravasam tanta emoção, tanta recordação e conseguem modificar a expressão facial e o estado de espírito, ignorando as fatalidades do mundo e da multidão que rodeia. O caminho esse é igual ao de tantos dias, mas hoje não é rotina, o motivo é discrepante mas o desígnio o mesmo, que folga mais irónica e ridícula, o olhar não é desviado para os pontos vulgares, prontamente os rostos conhecidos são ignorados, despromovidos de atenção, o olhar centra-se no elevador, essa pequena caixa de metal de diminuta capacidade e fugaz restrição de ar puro, quinto é o andar escolhido, a cara que finalmente se vislumbra vem fresca de saudade e oferece seus braços quentes, as escadas perfilham a rota de pequenos pedaços de papel que reflectem letras agrupadas, envoltas em sentimento, paixão e apatia, e imagens cuja veracidade é passível de crença.

A
sonoridade elevada e dispensável cúmplice da inquietação habitual que não permite a permanência morosa e constante no mesmo sítio, desenham outro caminho, os autocarros nem sempre esperam e as pernas foram feitas para andar! Caem as primeiras gotas desta água fria e molhada que te faz saber que estás viva! Escorrem pelo rosto, encaracolam os fios de cabelo e molham a roupa, o casaco. Sensação de fulgor. De novo, a espera não é figurativa e ironia das ironias, o que se segue , casacos.

Fast food , fast people , fast feelings, aqui não se perde tempo, next! A hesitação, mais uma vez, não abraça o programa, e este autocarro não se perde, nem este, nem o próximo mas, depois de fruir conhecimento com um pequeno catraio, dos seus oito, nove anos, que tinha um amigo que sonhava caçar, com a sua cana de pesca, uma pequena moeda de 1 cêntimo embrulhada em sonhos, cuja presença se revelava no fundo de um lago verde, foi redesenhado outro personagem. A história já foi relatada ao telefone, por isso e resumidamente, o senhor de aspecto bastante dúbio e de robustez considerável, expulsa o ser que está transversal e ocupa o seu lugar, a conversa é deveras obtusa, intercalada por elogios vacilantes que findam na fuga da princesa. Júnior não constará na lembrança!

Vagueando pela cidade, mergulhada na chuva, sozinha.
Amálgama de cores na sua essência vivas, oscilantes, intensas, violentas, enérgicas, vigorosas, fortes, impetuosas, ardentes, furiosas, alegres, alegres, joviais, amarguradas, tristes, calorosas, resistentes, frígidas, plásticas… amarelo, verde, vermelho, azul, preto, roxo, castanho, branco, rosa, laranja, dourado, bordeaux, prateado, cinzento … brilhante, transparente, opaco, vazio, cheio, pequeno , grande, invisível … óleo, acrílico, tela, papel, carvão, pastel, spray, instalação … opiniões, julgamentos, pareceres, sentenças , decisões, deliberações, debates, conceitos, ideias, polémicas, controvérsias, questões, duvidas, real e irreal … pinturas, fotografias, outros … absorvida na arte , absorvida em Lisboa.


"Embora lave o medo que há do fim a chuva apaga o fogo que há em mim.Ouço a voz de quem me quer tão bem, E fico a ver se a chuva a ouvirá também..."


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